Cinquenta e Oito Segundos
“Importava-lhe pouco que aquele fosse o retrato musical do violoncelista, o mais provável é que as alegadas parecenças, tanto as efectivas como as imaginadas, as tivesse ele fabricado na sua cabeça, o que à morte impressionava era ter-lhe parecido ouvir naqueles cinquenta e oito segundos de música uma transposição rítmica e melódica de toda e qualquer vida humana, corrente ou extraordinária, pela sua trágica brevidade, pela sua intensidade desesperada, e também por causa daquele acorde final que era como um ponto de suspensão deixado no ar, no vago, em qualquer parte, como se, irremediavelmente, alguma cousa tivesse ficado por dizer.”
Em “As Intermitências da Morte”, pág. 177 (edição de 2005 da Editorial Caminho)